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quinta-feira, janeiro 07, 2010

Meus caros, lamento a minha inactividade neste blog durante mais de um mês. Prende-se com diversos afazeres, incluindo assuntos careticos (os meus colegas de blog Jorge e Luís sabem ao que me refiro ;>). Pretendo continuar a colaborar com a maior frequência possível, mas veremos como correm as coisas.

Trago hoje uma aquisição natalícia. É um clássico da banda desenhada britânica criado na década de 1980 (a edição que adquiri é de 2007, da Dark Horse) e que só recentemente conheci, tendo argumento e arte de Bryan Talbot: The Adventures of Luther Arkwright.

A história tem como protagonista Luther Arkwright, um homem capaz de viajar por diversos mundos paralelos - o multiverso - apenas pela sua força de vontade, tendo também grandes poderes psíquicos. Luther é na verdade um agente a cargo de uma organização/paralelo chamado Zero-Zero e que luta contra os Disruptors – seres que controlam diversos mundos paralelos através dos seus líderes e que são os responsáveis por terem libertado Firefrost (um artefacto misterioso e muito poderoso que destabiliza o multiverso).
A narrativa principal (uma vez que há várias narrativas que se entrecruzam e que dizem respeito a viagens de Luther por diferentes paralelos e à revisitação da história da sua vida) desenrola-se num mundo paralelo no qual a guerra civil inglesa não se ficou apenas pelo século XVII – prolongou-se pelos três séculos seguintes, sendo a Inglaterra, à altura em que se desenrola a narrativa, uma ditadura puritana governada por Nathaniel Cromwell, descendente de Oliver Cromwell. Os rebeldes reais que lutam para reinstituir a monarquia (sendo o pretendente ao trono o rei marginal Charles III, descendente directo do rei Charles I, o rei que foi executado na sequência da guerra civil do século XVII), encontrando-se furtivamente confinados a um bairro londrino onde se encontram os que são considerados a ralé da sociedade pelo governo puritano: infiéis, viciosos, criminosos, prostitutas, bêbedos e artistas, sendo também nesse bairro que estão os teatros e os bares. Luther Arkwright luta, neste mundo paralelo, pelo rei e contra Nathaniel Cromwell, uma vez que Cromwell é ajudado pelos Disruptors – que assim controlam este paralelo. Entre os companheiros de luta de Arkwright, está Rose Wylde – também agente da Zero-Zero e que também se encontra presente noutros mundos paralelos por onde Luther viaja, sendo igualmente o interesse romântico do protagonista. Para além dos rebeldes que lutam pela monarquia, há ainda uma sinistra aliança entre os líderes da Prússia e da Rússia, que apoiam os monárquicos ingleses contra Cromwell – apenas com o intuito de tomar a Inglaterra, assim que as forças reais conseguirem derrubar a ditadura puritana.

Misturando narrativa de aventuras, ficção científica e steampunk, Bryan Talbot consegue em The Adventures of Luther Arkwright uma obra marcante, quer em termos visuais, quer em termos narrativos.
O traço de Bryan Talbot é bastante nítido e bem delineado, sendo o resultado final uma arte, no geral, bastante clara de perceber (há partes em que lembra Moebius). A composição das páginas é bastante diversificada, apostando Talbot na experimentação e variação do tipo de vinhetas e de planos: uma das marcas de Talbot nesta obra é a sucessão de uma acção através de várias vinhetas (um exemplo: Luther Arkwright saca da pistola do coldre, faz pontaria, dispara, reage ao disparo e vai baixando a arma – tudo isto é mostrado em sucessivas vinhetas, uma vinheta por movimento, como se fossem frames cinematográficos). O único senão é a obra ser a preto e branco. Na maioria das obras que li a preto e branco até hoje a cor não fazia falta; em The Adventures of Luther Arkwright a arte parece pedir cor, havendo páginas e vinhetas em que se nota a falta da cor (por exemplo, em explosões psíquicas ou cenários mais luxuriantes) – parece-me que o que contribui em muito para esta sensação também se deve ao contraste entre o preto e o branco, que por vezes não é bem feito, ficando a impressão que se está perante uma página que é uma fotocópia a preto e branco de uma página a cores.
O argumento é complexo e recheado de elementos referenciais, abordando temáticas políticas, sociais, científicas, religiosas e místicas, filosóficas, psicológicas e afectivas. Há também lugar para perversões, erotismo, violência explícita, humor sarcástico e grosseiro, fanatismos e obsessões – tudo estruturado numa narrativa pouco convencional e não-linear (terá influenciado Grant Morrison?). O problema da narrativa é precisamente aquilo que também torna esta obra carismática: a sua não-lineariedade. Se por um lado é surpreendente e admirável, por vezes também torna a narrativa algo confusa de seguir – especialmente quando há alternância entre mundos paralelos e flashbacks.

Como curiosidade, há a referir que em 2005 foi feita uma adaptação audio em três cds pela Big Finish Productions, em que o actor que deu a voz a Luther Arkwright foi David Tennant – o mesmo que interpretou a décima encarnação de Dr. Who na série homónima.
A Dark Horse publicou também a sequela intitulada Heart of Empire, or the Legacy of Luther Arkwright. Confesso alguma ansiedade para a ler.

A apreciação final é bastante positiva, percebendo-se bem porque razão The Adventures of Luther Arkwright cimentou Bryan Talbot como um dos nomes maiores da 9ªArte feita em terras britânicas e uma influência bastante presente para outros autores. É uma obra altamente recomendável aos fãs de banda-desenhada (especialmente àqueles que apreciam obras fora do vulgar).
saí­do da mente de Nuno Miguel Lopes às 6:22 da tarde
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